Lavagem de Dinheiro, Financiamento do Terrorismo e Compliance.

O crime de “Lavagem de Dinheiro – LD”, tipificado ela Lei 9.613/1998, é caracterizado por série de procedimentos, ações e atividades; desenvolvidas por criminosos com a finalidade de dar a aparência de “dinheiro limpo” (lícito) ao dinheiro obtido de forma criminosa (“sujo”).  

Esse ilícito penal abrange a ocultação de bens, de direitos e de valores, obtidos de forma espúria, assim como as ações que visam dificultar ou impedir o rastreamento da origem ao destino desses recursos.

Os desafios para combater esse crime tem se tornado maior com os avanços tecnológicos, os quais se por um lado deram maior velocidade às trocas financeiras e potencializaram o desenvolvimento dos mercados; por outro favoreceram novas tipologia de LD; na medida que seus autores se apropriaram das inovações para sofisticarem suas operações e se camuflarem no mundo virtual.  

Cada país refere-se  à LD de forma diferente, segundo sua cultura e idioma:

  • Portugal utiliza o termo branqueamento de capitais
  • Espanha reconhece o processo como blanqueo de capitales
  • França se vale da expressão blanchiment d’argent 
  • Estados Unidos empregam money laundering
  • Argentina o denomina de lavado de dinero
  • Colômbia refere-se à del lavado de ativos
  • Alemanha utiliza a expressão geldwache
  • Suíça usa o termo blanchimente d´argent
  • Itália se refere à riciclaggio di denaro
  • México, por sua vez, se utiliza de uma expressão alongada: encubrimiento y operaciones con recursos de procedencia ilícita.

O COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras, criado pela Lei 9.613/1998, define a LD como uma ameaça real à integridade e à estabilidade dos Estados e à própria Democracia, descrevendo-a como “um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país, de modo transitório ou permanente, de recursos, bens e valores de origem ilícita e que se desenvolvem por meio de um processo dinâmico que envolve, teoricamente, três fases independentes que, com frequência, ocorrem simultaneamente” [https://www.gov.br/coaf/pt-br/assuntos/o-sistema-de-prevencao-a-lavagem-de-dinheiro/o-que-e-o-crime-de-lavagem-de-dinheiro-ld].

Embora seja imposs[ível descrever com exatidão as etapas percorridas pelo dinheiro durante a LD reconhece-se, didaticamente, a existência de pelo menos três etapas, ou fases, ao longo da trajetória criminosa:

  • Primeira fase – “Colocação”: o dinheiro sujo (recursos ilícitos) ingressa no mercado formal (via sistema financeiro) por meio de seu fracionamento, uso de empresas que trabalham com dinheiro em espécie, por exemplo. 
  • Segunda fase – “Dissimulação”: quando são realizadas inúmeras  transações envolvendo diversas pessoas e empresas para despistar a origem do dinheiro. A finalidade é dificultar o rastreamento dos recursos ilícitos. Visa apagar, ou mascarar as evidências que ligam o dinheiro a um determinado ato ilícito ou a pessoas. Dessa forma impede ou atrapalha possíveis investigações. Nessa fase destacam-se as transferências eletrônicas para contas anônimas, fantasmas ou “insuspeitas”.
  • Terceira fase – “Reintegração”: é quando ocorre a volta do dinheiro para o mercado formal. Nessa fase o dinheiro continua sujo, mas foi “lavado” ( adquiriu uma aparência “limpa”) e é investido em negócios tradicionais e insuspeitos. Assim ocorre o fechamento do ciclo e as pistas que poderiam existir, se dissipam ou se tornam obscuras.

Terrorismo

A Enciclopédia Britânica define terrorismo como “Uso sistemático de violência para criar um clima de medo generalizado numa população e dessa forma atingir um determinado objetivo político. O terrorismo tem sido praticado por organizações políticas tanto de direita quanto de esquerda, por nacionalistas e grupos religiosos, e por instituições do Estado como Forças Armadas e policiais”.

Portanto, um traço comum aos grupos terroristas é o fato de se valerem de ações violentas (“terror”) como  torturas, assassinatos, sequestros, explosões de bombas, matanças indiscriminadas etc.

Durante algum tempo, especialmente depois da Segunda Guerra Mundial até os anos 70 do século passado, o terrorismo era visto como parte de um contexto revolucionário. 

A comunidade internacional chegou a considerar politicamente legítimas algumas lutas pela autodeterminação dos povos, fato que, de certa forma, levou à legitimação do uso da violência política por determinados grupos.

Existem diversas formas de terrorismo, como o de Estado (em que grupos manipulam  uma população conforme seus interesses), Econômico (no qual o objetivo é submeter economicamente uma população para atender a determinados interesses), Religioso (em que os incentivos ou justificativas para uso da violência repousam numa crença religiosa), além de outros.

Financiamento do Terrorismo e Lavagem de Dinheiro

Os atos terroristas, seus apoiadores e financiadores são repudiados por inúmeros países, muitos dos quais mantêm legislações penais extraterritoriais que podem alcançá-los além de suas fronteiras.

Todavia, é preciso ressaltar que os crimes de LD e FT, embora estejam intimamente ligados e se utilizem de técnicas similares para ocultar a origem e o destino dos recursos, não se confundem. Isso porque o FT pode se valer de ativos financeiros tanto de origem lícita como ilícita.

Ocorre que existem pessoas, associações e até Estados que dão suporte financeiro ou logístico a grupos terroristas por simpatizarem com suas causas ou terem interesse direto no sucesso das atividades terroristas.

Outra similaridade entre os crimes de LD e o de FT está no fato de que ambos se valem da estrutura das Instituições Financeiras (bancos, seguradoras, entidades de previdência, securitizadoras etc.) para movimentar e acessar os recursos de que necessitam.

As semelhanças e diferenças entre LD e FT foram mais bem esclarecidas após análise dos atos terroristas de 11 de setembro 2001, nos Estados Unidos, de 2015 em Paris e de 2017 em Londres.

A partir daqueles eventos dramáticos não se teve mais dúvida de que a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo são crimes conectados,  cujo enfrentamento n atualidade exige uso de inteligência de dados, tecnologia de ponta, mas sobretudo do comprometimento da sociedade, das organizações e da colaboração internacional.

Em 2015, com a edição do Decreto 5.640 (que promulgou a Convenção Internacional para Supressão do Financiamento do Terrorismo, adotada pela Assembleia – Geral das Nações Unidas em 9.12.1999 e assinada pelo Brasil em 10.11. 2001) o Brasil demonstrou seu alinhamento com as estratégicas globais para sufocar as fontes financeiras dos grupos terroristas, criando mecanismos para rastrear os recursos financeiros dessas organizações.

O mesmo ocorreu a partir da Lei 13.260/2016, que regulamentou o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista; e alterando as Leis n º 7.960, de 21.12. de 1989, e 12.850, de 02.08.2013.

Prevenção e combate à LD

Dentre os eventos que ameaçam o atingimento dos objetivos empresariais e podem destruir a reputação de pessoas, empresas,  gerar riscos sistêmicos e deteriorar mercados, o risco de LD é um dos mais significativos.

Por isso, determinadas pessoas jurídicas são legalmente obrigadas a identificar a existência dessa ameaça, avaliá-la e implementar mecanismos de controle adequados.

As “Pessoas Sujeitas ao Mecanismo de Controle”, ou simplesmente  “pessoas obrigadas”, estão definidas no artigo 9º,  da lei 9.613/1998.

Essa obrigação legal integra o rol das “obrigações de Compliance”, dessas entidades. Portanto, não podem deixar de serem cumpridas sob pena de gerarem sanções legais e administrativas para a pessoa obrigada que as negligenciar, ou até mesmo, resultarem em punições no âmbito penal, para alguma parte relacionada que contribuir para a tentativa ou concretização dos crimes de LD/FT.

Em 2013, a Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e seu Decreto 8.420/2015  estabeleceram uma série de mecanismos de controle e proteção para os negócios, englobando medidas preventivas do risco de LD/FT. 

Esse conjunto de medidas, conhecido como Programa de Integridade nada mais é que um Programa de Compliance, com foco nos riscos de integridade organizacionais; dentre os quais se destaca a probabilidade de que a organização venha a ser utilizada para LD.

Função Compliance e LD/FT

Dentre os mecanismos constantes de um Programa de Compliance para prevenir e combater a LD/FT destacam-se a implementação de práticas para se Conhecer as Partes Relacionadas, a avaliação dos riscos de LD dessas partes, dos produtos por ela utilizados e da própria instituição.

Além disso, está prevista a comunicação ao COAF de indícios ou suspeitas de LD/FT (Lei 9.613/1998, artigo 11º, item II) verificadas no curso dos processos que devem ser  adequadamente registrados nos sistemas internos.

Todavia, essa comunicação ao COAF não deve ser confundida com uma denúncia. Trata-se apenas do cumprimento de uma obrigação legal, ou obrigação de compliance, cujo descumprimento expõe a organização a uma série de penalidades, conforme previsto no artigo 12, da Lei n. 9.613/1998 (advertência; multa pecuniária; inabilitação para exercício de cargo de administrador; e, cassação ou suspensão da autorização para exercício de atividade).

A responsabilidade pelo cumprimento das obrigações de compliance no âmbito do Programa de Integridade é da Alta Direção (artigo 3º da Lei 12.846/2013). Ao profissional responsável pela supervisão do Programa de Integridade (Compliance Officer, ou Gestor da Integridade) cabe orientar e treinar os colaboradores quanto às Condutas Éticas e à Gestão dos Riscos (em particular do risco de LD), monitorar os controles implementados de forma continuada, assegurar a conformidade dos processos com a legislação e os regulamentos vigentes, em especial  com aqueles que tratam da prevenção e do combate ao risco de LD e FT.