Uma proposta de reflexão sobre Direito, Ética e Educação
Você já ouviu um acusado de corrupção confessar que praticou algo ilícito, salvo para obter alguma vantagem em delação premiada (Lei 12.850/2013)?
Provavelmente sua resposta será “não” ou, “muito raramente”.
A negação de uma prática é direito previsto no inciso LXIII, artigo 5º da Constituição Federal, decorrente do instinto natural de preservação (direito de não produzir prova contra si mesmo).
Esse instituto legal pode e deve ser usado por qualquer cidadão, pois trata-se de uma proteção contra arbitrariedades
O objeto de nossa reflexão não é diminuir ou colocar na berlinda essa importantíssima garantia constitucional, mas entender o quê, realmente, os corruptos negam quando fazem uso desse direito.
Nossa história recente e atual tem provado que muitas dessas negativas servem apenas para ludibriar a justiça e convencer a opinião pública de que as acusações são improcedentes.
Por isso a questão aqui formulada é: O que realmente está nos sendo negado pelos corruptos?
Frequentemente a mídia nos apresenta cidadãos com aparência e discursos corretíssimos como suspeitos de corrupção. Ao serem confrontados com supostos desvios de recursos e irregularidades praticadas, abusam dos superlativos para se declararam “absolutamente honestos”, “surpresos e indignados com falsas e maldosas acusações”.
A indignação aumenta, se lhes são apresentadas provas. Nesse caso, podem até mesmo reagir com violência, ironia ou simplesmente fazer o silêncio da vítima que oportunamente provará sua inocência. Essa última alternativa também poderia ser interpretada como uma forma de negação, para ganhar tempo e construir uma argumentação mais plausível e contrapor aos fatos, ou seria uma ”confissão” como nos ensina sabedoria popular (“quem cala consente”)?
Infelizmente, já não nos causa espanto assistir às artimanhas desses astutos personagens e nossos ouvidos já parecem reconhecer, de pronto, quando uma retórica invejável esconde desculpas e justificativas inverossímeis.
Há aqueles que apanhados em flagrante delito, apresentaram alegações de inocência tão estapafúrdias que acabaram virando piadas e memes, na internet. (Essa nossa capacidade transformar o trágico em cômico, talvez para sobreviver ao festival de absurdos que nos cerca, merece outra reflexão, noutro momento.)
A questão proposta aqui é: o quê, realmente, os corruptos negam?
Para dar maior ênfase às suas negativas, algumas celebridades até incorporam aos seus discursos ares de vítimas, reclamam de perseguição e calúnia e, no ápice, atacam a mídia e as autoridades como orquestradores de “campanhas difamatórias. Clamam por mais respeito aos direitos fundamentais do Ser Humano” e terminam ameaçando os “detratores” com processos e pedidos de indenizações. Alguns até o fazem de fato, mesmo que acabem condenados.
São tão similares e previsíveis as expressões, gestos e atitudes demonstrados por esses protagonistas, que algumas de suas performances parecem ter sido ensaiadas por um mesmo diretor!
Mas, o quê, realmente, os corruptos negam?
Outra estratégia dos malfeitores quando surpreendidos em suas ações delituosas é a de aparentar a calma dos inocentes, dar de ombros, afirmar que seguem práticas conhecidas e legitimadas no meio em que atuam. Se alguma ilegalidade é provada contra eles, apressam-se em afirmar que provarão “tratar-se de um único fato excepcional e sanável” ou debitarão a ocorrência à terceiros inescrupulosos que se aproveitaram da proximidade com eles, além de afirmarem que se encarregarão de “apurar e punir exemplarmente” os faltosos.
Por outro lado, alguns álibis e justificativas utilizados por esses vultos soam tão verdadeiros que, além de advogados renomados, eles passam a contar também com defensores gratuitos e apaixonados entre a população. Trata-se daquela parcela da sociedade que permanece desinformada ou que já não consegue mais diferenciar o que é legal do que é ilegal e de tanto ver prosperar a desonra aderiu à máxima de que os fins justificam os meios ?
Com invejável capacidade de dissimulação e racionalização, confiantes nas lacunas legais, na lentidão da Justiça, no lamentável histórico de impunidade, na própria capacidade de persuasão ou na péssima memória do povo, muitos corruptos mesmo condenados, seguem repetindo o mantra da negação.
Mas o quê, realmente, os corruptos negam à sociedade?
Ao negarem veementemente a participação em fraudes e justificarem, de forma singela ou rocambolesca os negócios ilícitos realizados para acobertar desvios de milhões para suas contas bancárias, eles estão, na verdade, negando oportunidades de desenvolvimento ao país e direitos básicos à população. Ironicamente, negam à sociedade direitos contidos na mesma Constituição que lhes dá proteção!
Negam Saúde. Negam Educação. Negam emprego. Negam habitação decente, Negam dignidade humana aos cidadãos do país. Negam. Negam. Negam.
Essas mesmas negativas também sustentam a criminalidade organizada, o tráfico de drogas e o comércio ilegal de armas, que terminam por colocar em risco o próprio Estado Democrático de Direito.
Ventos de mudanças começam a soprar, sugerindo que há chances reais da curva ascendente da corrupção se inverter e o país vir a conviver, num futuro próximo, com níveis controláveis dessa doença social.
Mas não é tarefa simples atingir esse patamar. Elevar o nível de integridade de uma nação exige muito mais que o aprimoramento da legislação, a realização de investigações sérias e punições rigorosas, embora tudo isso seja necessário e importante.
Para se construir uma nova realidade ética no país serão necessárias ações de longo, porque “O combate à corrupção não é só uma questão de leis. É de atitude”, ratificou o filósofo Michael Sandel da Universidade Harvard quando de sua vinda ao Brasil, em entrevista concedida à revista Exame em 26.03.2015 .
Mas como alterar atitudes, crenças e valores enraizados na cultura de um povo cuja maioria admite obter vantagens de modo ilegal?
Na opinião de Sandel, é preciso que se estabeleça um novo Contrato Social entre as pessoas que estiverem dispostas a fazer as coisas “certas”. Esse contrato, somente se concretizará por meio da aliança entre o Trabalho e a Educação. Nesse contexto, reforça o estudioso, as empresas terão um papel cada vez mais relevante.
As conclusões do professor de Havard estão amparadas no fato de que as empresas geram muito mais que bens e serviços, comunicam valores a seus stakeholders que se espalham em redes, moldando novos comportamentos sociais.
No fundo trata-se de um Contrato Educativo, pois nenhuma outra atividade é tão transformadora como a Educação!
Estabelecer uma nova fronteira de sustentabilidade em nosso meio, somente será possível com ações educativas sistemáticas, as quais juntamente com as ações de prevenção e combate à corrupção, serão capazes de interferir profundamente na dinâmica social.
Para atingir esse objetivo será preciso agregar a todos esforços educativos – sejam formais ou informais, desde a educação básica à universitária, incluindo-se os treinamentos empresariais – discussões sobre ética.
Na Educação Corporativa esse imperativo é ainda maior, ou seja, proporcionar reflexões sobre ética nos negócios deve estar entre os objetivos gerais, de todo e qualquer planejamento pedagógico empresarial, independentemente do público alvo ou do conteúdo a ser explorado.
Portanto, mãos à obra, porque já estamos atrasados nesse trabalho!
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